Manipulação de pensamentos por meio da tecnologia é tema de resolução na ONU


A liberdade de pensamento e a privacidade mental podem estar sob risco com o avanço de técnicas que modificam ou manipulam neurônios dentro do cérebro humano.

Com base nessa preocupação, foi aprovada na quarta-feira uma resolução no Conselho de Direitos Humanos da ONU, que pede regulamentação adequada da neurotecnologia.

Antecipação é crucial

O texto propõe que todos os mecanismos e relatores ligados ao órgão considerem, dentro de seus mandatos, o impacto que este novo ramo científico pode ter nos direitos humanos e liberdades fundamentais.

A resolução enfatiza que todas as intervenções neurotecnológicas em humanos devem sempre exigir “consentimento prévio, informado, livre, real, transparente, eficaz e explícito, que possa ser revogado a qualquer momento.”

Um relatório sobre o tema apresentado ao Conselho, no final do ano passado, ressalta que a antecipação é fundamental para lidar com tecnologias altamente disruptivas.

O estudo, realizado por um comitê de especialistas, afirma que a neurotecnologia tem o potencial de afetar elementos constitutivos dos seres humanos, como personalidade, capacidades mentais e autonomia. Por isso, é preciso considerar se sua aplicação “contribui para a objetificação e instrumentalização dos indivíduos”.

Visualização de Inteligência Artificial combinando um esquema de cérebro humano com uma placa de circuito

Visualização de Inteligência Artificial combinando um esquema de cérebro humano com uma placa de circuito

Risco de modificação de pensamentos sem consentimento

De acordo com o levantamento, interferências no reino psicológico interno, onde pensamentos e convicções são formados, podem impactar a liberdade de pensamento, o direito à privacidade, a integridade pessoal e a saúde mental.

Com o suporte da inteligência artificial, as neurotecnologias podem elaborar perfis psicológicos individualizados sofisticados e usá-los para prever o comportamento ou as intenções dos indivíduos. Com base nessas inferências, a mesma tecnologia também pode atuar para modificar os pensamentos.

Segundo o estudo, isso permite a manipulação comportamental de indivíduos por atores privados e políticos em um nível “sem precedentes.”

Com a ampla comercialização de tais tecnologias para uso pessoal, incluindo durante o sono, o risco de que tal interferência ocorra, mesmo sem o consentimento ou conhecimento do indivíduo, é considerado alto.

Dispositivos de “neurogaming” também podem levar ao uso compulsivo ou viciante, particularmente quando os circuitos de recompensa neural visam alterar os comportamentos de consumo.

Dados neurais podem expor a privacidade dos indivíduos

A proteção da esfera privada mental contra intrusão externa e vigilância é necessária para proteger a autonomia pessoal, identidade e dignidade. Como as neurotecnologias envolvem o acesso às mentes para coletar e registrar informações pessoais, elas podem expor o espaço privado dos indivíduos.

Os chamados dados neurais fornecem informações altamente sensíveis e permitem que aspectos da identidade e personalidade sejam revelados, como orientação sexual, desempenho cognitivo, intenções, crenças e emoções.

Os especialistas antecipam que o interesse comercial em dados coletados por meio de dispositivos de neurotecnologia médica e não-médica crescerá exponencialmente.

Para eles, com a ampla implantação de interfaces cérebro-computador, que fazem a coleta, processamento e armazenamento de grandes quantidades de informações pessoais, o risco de uso indevido de dados, práticas predatórias e hacking será significativo.

Uma mulher usa um dispositivo de realidade virtual

Uma mulher usa um dispositivo de realidade virtual

Um mercado desregulado de US$ 7,3 bilhões

O relatório aponta que os investimentos privados em neurotecnologia aumentaram de US$ 331 milhões para US$ 7,3 bilhões em apenas 10 anos. Isso mudou a dinâmica dessa indústria, que está, cada vez mais, voltada para dispositivos vendidos diretamente ao consumidor.

O levantamento afirma que, em contraste com o desenvolvimento médico de neurotecnologias, que geralmente são bem regulamentadas, o setor de consumo permanece altamente desregulamentado e é caracterizado por rápida expansão.

Segundo o estudo, as brechas existentes, a falta de conhecimento técnico e a ausência de órgãos de supervisão adequados são fatores que certamente serão explorados por grandes empresas em busca de lucros.

O risco é que, sem as proteções necessárias, a indústria continuará crescendo, “priorizando a lucratividade e a conveniência em detrimento de considerações éticas e de direitos humanos”.

Principais aplicações da neurotecnologia

A resolução aprovada no Conselho de Direitos Humanos também reconhece o potencial da neurotecnologia para melhorar a saúde humana, apoiando a investigação de funções e atividades do cérebro, curando doenças neurais e restaurando funções motoras e sensoriais de pessoas com deficiências.

A neurotecnologia é um termo genérico que se refere a qualquer tecnologia que registra ou modifica os neurônios no sistema nervoso humano.

As principais aplicações são: neuroimagem, que envolve monitoramento da estrutura e funções do cérebro; a neuromodulação, que se baseia em influenciar funções cerebrais; e interfaces diretas cérebro-máquina, como chips e implantes.

Na sua 58ª Sessão, iniciada em 24 de fevereiro, o Conselho de Direitos Humanos está considerando 32 projetos de resolução e cinco emendas. As deliberações começaram nesta quarta-feira à tarde, 2 de abril, e vão até a sexta-feira, dia 4.

*Felipe da Carvalho, da ONU News em Nova Iorque.



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