Pesquisadores acusam Israel de genocĂ­dio em tempo real na Palestina


“Estamos no momento do primeiro genocĂ­dio em tempo real e as pessoas nĂŁo se sensibilizam”. A reflexĂŁo sobre o extermĂ­nio dos palestinos, provocada pelo professor e pesquisador Walter Lippold, sintetiza o teor de um dos debates da CryptoRave, o maior evento gratuito e aberto sobre segurança e privacidade do mundo, encerrado neste sábado (17), na capital paulista.

A contribuição de Lippold é especialmente importante nesta semana, quando diversas iniciativas convocam a sociedade em geral a pensar uma vez mais sobre os ataques realizados por Israel e a Nakba, marco trágico da história da Palestina, de 1948.

Na palestra “Condições SociotĂ©cnicas do GenocĂ­dio Palestino”, conduzida em parceria com o tambĂ©m pesquisador e docente Deivison Faustino, da Universidade de SĂŁo Paulo (USP), Lippold defendeu a rotulação das big techs, ou seja, as gigantes da tecnologia, como “necrocorporações” nesse contexto.

Em um dos auditĂłrios mais cheios da CryptoRave, Lippold afirmou, ainda, que o genocĂ­dio coloca um alvo em palestinos e tem tirado a vida tambĂ©m de jornalistas e equipes de ajuda humanitária. Ele observou que o sentimento de horror e pavor vai sendo sustentado nĂŁo somente por “pilhas de cadáveres” pelas ruas, mas pelo rastreio constante das vĂ­timas.

“Há [uma estratĂ©gia de] busca e caça atravĂ©s dessas tecnologias. O horror nos relatos de palestinos que dormem sob o som de drones. O terror que essas tecnologias causam no psicolĂłgico, nĂŁo sĂł no sentido de bombardeio, de despedaçamento da carne, das pilhas de cadáveres infantis. Há tambĂ©m uma guerra psicolĂłgica, um terrorismo psicolĂłgico”, disse Lippold, que atualmente leciona no curso Uniafro da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Lippold, que é doutor em história, voltou no tempo para vasculhar outros períodos em que governantes decidiram usar esse tipo de tecnologia para a subjugação de determinados grupos populacionais, como a guerra da Argélia e a do Exército britânico contra os bôeres.

O acadêmico mencionou que o governo de Barack Obama utilizou amplamente ferramentas de predição do inimigo, o que difere de previsão, pontuando que predição funciona com base na vigilância ininterrupta e que permite que se identifique as rotas costumeiras de um alvo. Segundo ele, enquanto Obama esteve no poder, morreram pessoas cuja identidade nem se sabia direito.

A dronificação da guerra e o vigilantismo digital, prosseguiu Lippold, são algumas das particularidades do que ocorre hoje, nos ataques promovidos por Israel. Isso se verifica nas explosões just in time, disparadas por aparelhos de pagers e walkie-talkies. Um dos casos, em que foi usado um pager do modelo AR-924, uma menina de 9 anos de idade foi morta no Líbano, em 2024.

De acordo com levantamento da Organização das Nações Unidas (ONU), que analisou dados de novembro de 2023 a abril de 2024, quase 70% das vítimas mortas em Gaza eram crianças e mulheres. Cerca de 80% delas estavam em edifícios residenciais na hora em que foram mortas.

 


Barraca que abrigava jornalistas Ă© alvo de ataque israelense em Khan Younis, sul de Gaza
 7/4/2025   REUTERS/Hatem Khaled
Barraca que abrigava jornalistas Ă© alvo de ataque israelense em Khan Younis, sul de Gaza
 7/4/2025   REUTERS/Hatem Khaled

Barraca que abrigava jornalistas é alvo de ataque israelense em Khan Younis, sul de Gaza. Hatem Khaled/Reuters/proibida reprodução

Racismo

Uma das referĂŞncias que mais influenciam o trabalho de Lippold Ă© a obra do pensador negro Frantz Omar Fanon, que ficou famoso por escrever o livro Pele negra, máscaras brancas. Ele lembra que o filĂłsofo e psiquiatra dizia que colonialismo, capitalismo e racismo estĂŁo atrelados e que na sua Ă©poca – Fanon viveu entre as dĂ©cadas de 1920 e 1960 – os direitos humanos valiam somente para europeus. A desumanização de nĂŁo europeus denunciada pelo martinicano ainda estaria em curso nos dias de hoje.

O outro palestrante da mesa da CryptoRave, Deivison Faustino, tambĂ©m entende que “o racismo Ă© um elemento sem o qual a gente nĂŁo compreende o capitalismo”. Para ele, assegurar, por exemplo, cidadania somente a quem Ă© considerado alguĂ©m “de sangue puro” Ă© algo que sempre existiu. 

“Mas a gente pode pensar no papel do racismo na produção, na construção de outros matáveis”, afirmou o pesquisador.

Faustino, que publicou, recentemente, com o colega da UFRGS, o livro Colonialismo Digital: por uma crĂ­tica hacker-fanoniana, argumentou, ainda, que o que vitima agora os palestinos marca uma “crise estrutural”. 

“A guerra nĂŁo pode mais ser localizada, a guerra hoje diz muito sobre nĂłs que estamos fora”, alertou.

Israel

Em julho e 2024, durante um discurso no Congresso dos EUA, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu afirmou que a acusação de genocĂ­dio visa “deslegitimar Israel, demonizar o Estado judeu e demonizar os judeus em todos os lugares”. Na ocasiĂŁo, Israel apresentou mais de 30 documentos, incluindo resumos de reuniões de gabinete, para tentar demonstrar que tomou medidas para reforçar a ajuda humanitária e o apoio mĂ©dico aos civis palestinos nos primeiros meses da guerra.

* Matéria alterada para correção de expressão usada por pesquisadores para definir o genocídio em curso na Palestina.



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